Aydano André Motta: ‘Neguinho da Beija-Flor, rubro-negro e campeão’

Principal estrela do carnaval carioca compôs hino de todas as torcidas, que estreou na conquista do primeiro título brasileiro do Flamengo

Foto: Arquivo pessoal

Entre as unanimidades bissextas do futebol – essa reunião de discordantes patológicos – um hino simples e genial iguala todas as torcidas. “Domingo, eu vou ao Maracanã/ Vou torcer pro time que sou fã/ Vou levar foguetes e bandeiras/ Não vai ser de brincadeira/ Ele vai ser campeão…”, entoam apaixonados pelas arquibancadas do Brasil, em muitos estádios além do templo citado na letra.

O autor de versos e acordes tão irresistíveis é um Zico da cultura popular: Neguinho da Beija-Flor, o maior astro do Carnaval carioca, apaixonado torcedor preto-vermelho e um dos grandes artistas da cultura popular do país. O melhor: a monumental popularização da música está totalmente ligada a um momento histórico do Flamengo. Mas a história começa com… o Vasco!

Era o fim de 1979, quando Neguinho recebeu encomenda do amigo Paulo Ramos, para fazer o hino da torcida organizada do clube de São Januário que estava sendo fundada. Numa noite, voltando de ônibus para Nova Iguaçu após a roda de samba do Bola Preta, compôs “O Campeão”, mas a música nasceu fadada a desaparecer: a torcida acabou proibida pelos cartolas.

Meses depois, Neguinho decidiu apresentar a canção ainda inédita na roda de samba do River, clube da Zona Norte carioca. O sucesso foi instantâneo – a noite terminou apoteótica, com as pessoas cantando enfeitiçadas a ode à paixão do futebol. A empolgação se repetiu em outras rodas, Rio afora.

Em maio de 1980, saiu o compacto simples (crianças, era um disco pequeno de vinil, com uma música de cada lado) com “O Campeão” de um lado e “A pipa do vovô não sobe mais”, de Rico Medeiros, do outro. Neguinho entendia que a composição tinha potencial para ganhar as torcidas nos estádios, e decidiu experimentar num dia de casa além de cheia: 1º de junho de 1980, a decisão da Taça de Ouro, o Brasileiro daquele ano, no Maracanã.

Encomendou 200 mil prospectos com a letra e escalou família e amigos para distribuir nas entradas do estádio. Ele mesmo não estava – fizera, na véspera, o show de encerramento do Miss Amapá, em Macapá. A um Brasil de distância, sofria em dobro, pelo inédito título nacional e pelo batismo de sua canção com o grande público.

Pouco antes de começar a decisão, no hotel, pediu um mamão; o garçom bateu à porta do seu quarto exatamente quando a TV mostrava a torcida do Flamengo urrando nas arquibancadas:

“Porque meu time bota pra ferver
E o nome dele são vocês que vão dizer
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô MENGO!
Ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô MENGO!”

O funcionário do hotel não entendeu nada diante daquele homem, no extremo Norte do Brasil, em prantos com as imagens da TV. “Sou autor dessa música”, balbuciou Neguinho, para o incrédulo interlocutor, que saiu do quarto pensando em quantos doidos cruzavam seu caminho.

Mas era tudo verdade. “O Campeão” decolou das lotadas arquibancadas para o coração de todos os brasileiros que amam futebol. Hoje, é cantada para celebrar os clubes indiscriminadamente, e ainda faz seu autor rir por várias razões. “É a música que me deu mais dinheiro”, comenta ele.

Repare como o “MENGO!!” casa direitinho na métrica. Jogada de quem bate um bolão, como o supercraque Neguinho da Beija-Flor! Aliás, o coração foi decisivo na composição.

****

Mais de três décadas depois, o cantor voltou a Macapá para um show e encontrou, na entrada do hotel, um senhorzinho à sua espera. “Você não vai se lembrar, mas sou aquele garçom que lhe atendeu em 1980. Vim dizer que não acreditei na sua história, naquele dia, mas hoje sou seu fã. Muito obrigado!”