Orientação segura: invoquem os improváveis heróis de 2009

'Mais surpreendente dos títulos brasileiros do Flamengo serve de esperança para virar o jogo em 2021', diz Aydano André Motta

Angelim fala sobre os 10 anos de Santos 4 x 5 Flamengo: 'Ficou marcado para a história'
(Foto: Reprodução)

Quando o mundo parece a primavera cinza e chuvosa de 2021, e as esperanças se esvanecem, e as possibilidades desabam em sequência como peças de dominó enfileiradas; quando as tentativas se desmancham infrutíferas, e remédios se tornam impotentes, e o pensamento trava em busca de soluções que não aparecem; quando o fim se apresenta inevitável, o abismo se aproxima inexorável, o fracasso se consolida invencível – só resta ter fé.

Assim, lembrai-vos de 2009.

Meninas e meninos, moças e rapazes, houve um campeonato completamente perdido, que acabou em título. O impossível, a mãe de todas as exceções, existiu – e deu Flamengo no final. Um time improvável, construído aos trancos e barrancos no meio da competição, vítima de goleadas impiedosas e derrotas doloridas, ergueu-se contra todas as adversidades e, numa virada digna da ficção mais delirante, conquistou o título.

Em qualquer retrospecto dos Brasileiros de pontos corridos (essa chatice), o campeonato de 2009 figura solitário na prateleira das exceções que confirmam a regra. Para o Flamengo, começou como mais um capítulo do longo jejum, iniciado após o penta no longínquo 1992. Na estreia, o time de Cuca foi ao Mineirão apanhar do Cruzeiro: 2 a 0. No segundo jogo, empate sem gols com o Avaí, no Maracanã.

A hecatombe veio na quinta e na sexta rodadas, jogadas fora de casa – 4 a 2 para o Sport Recife e 5 a 0 para o Coritiba. Mas Cuca resistiu, só caindo depois do 1 a 1 com o Grêmio Barueri, no Maracanã. A diretoria, sem opções, apelou para o santo de casa, Andrade, tentar o milagre em missão de muito risco na 14ª rodada: enfrentar o Santos do emergente Neymar, na Vila Belmiro.

Ninguém dava nada pelo preto-vermelho naquele domingo – mas, 90 minutos depois, estava consumada a vitória, a primeira do clube em Brasileiros no estádio que revelou Pelé. Começava no 2 a 1, de virada, a ascensão que daria no título, protagonizada por Andrade, mas também por Petkovic e Adriano.

O Imperador decidira voltar ao time do seu coração, após a explosão na Inter de Milão. Ainda com o futebol que o levou a ser o melhor centroavante do mundo por um curto período, voou no Brasil, terminando como artilheiro (ao lado de Diego Tardelli) com 19 gols. Decidiu várias partidas, algumas com lances incríveis, como o gol de cobertura nos 3 a 0 do jogo da volta contra o Coritiba, em 20 de setembro.

O sérvio foi daquelas maluquices que dão certo sem explicação possível. Depois da passagem espetacular que teve o gol do tri estadual de 2001 como clímax, ele voltou quase aposentado, por ser credor de uma dívida do clube. Não era nem para jogar – mas acabou entrando e se tornando decisivo em vitórias como as diante do Palmeiras (2 a 0), no Parque Antárctica, em 18 de outubro, e do Atlético-MG (3 a 1), no Mineirão, em 8 de novembro. Ele marcou um gol olímpico – OLÍMPICO! – em cada uma. (Detalhe: o time de 2009 ganhou do Atlético-MG em Belo Horizonte, façanha que a zilionária equipe atual não consegue.)

Houve coadjuvantes fundamentais. Os laterais Leo Moura e Juan, os zagueiros David Braz, Álvaro e Ronaldo Angelim, os volantes Maldonado e Kleberson, o atacante Zé Roberto foram decisivos para a conquista.

Tudo muito bom, tudo muito bem – mas não foi sem sofrimento, ou não seria Flamengo. Na antepenúltima rodada, uma vitória diante do Goiás, no Maracanã, encaminharia o título. Quase 79 mil pessoas encheram o estádio, para se torturar num sofrido 0 x 0, deixando o time ao alcance de Internacional e São Paulo, seus perseguidores.

Então, as rivalidades regionais deram uma mãozinha. Um preguiçoso Corinthians foi batido por 2 x 0, em Campinas (os paulistas ainda não tinham seu estádio), o que deixou o rubro-negro a uma vitória do título. O derradeiro adversário seria o Grêmio, no Rio – e lembre-se: o Inter era o segundo colocado. Na tarde dominical de 6 de dezembro, o tricolor gaúcho entrou em campo com o time reserva, mas, comandado pela então revelação Douglas Costa, conseguiu fazer 1 a 0, para desespero dos quase 85 mil espectadores.

Com Adriano fora das melhores condições físicas e Petkovic muito marcado, o Flamengo não conseguia jogadas de perigo. Mas um par de escanteios batidos pelo sérvio resolveria o problema. No primeiro, o Imperador dividiu com a defesa e a bola sobrou para David Braz estufar a rede. No segundo tempo, aos 24 minutos, Ronaldo Angelim raspou de cabeça para fazer o gol do título.

Portanto, amiguinhas e amiguinhos, querem ter esperança agora, agarrem-se a 2009 e invoquem as energias daquele time improvável e maravilhoso. É o que dá para fazer a essa altura.