Os mais jovens, que vaiam Renato Gaúcho em eventos como o jogo do Zico, a cada fim de ano, não sabem da missa a metade – mas, em verdade, o que sabem os jovens? O recém-chegado técnico carrega o DNA rubro-negro desde o início da carreira, no Esportivo de Bento Gonçalves (RS) e pode ser (merecidamente) estátua no Grêmio, mas sempre conjugou raça e técnica em doses generosas – a cara do Flamengo.
Seu gol mais famoso pelo clube, o da semifinal do Brasileiro de 1987, no Mineirão, contra o Atlético-MG, ostenta os dois predicados. Renato arranca do meio-campo, vence a defesa, dribla o goleiro e empurra para o gol, pavimentando a classificação para a final do campeonato. Contratação que sacudiu o futebol nacional (o clube carioca desembolsou CZ$ 13,9 milhões – algo como R$ 18 milhões em valores atualizados) em janeiro de 1987, o craque, então com 24 anos, deu resultado no mesmo ano. O Flamengo conquistou o tetra brasileiro, e Renato formou entre os destaques de um supertime que tinha Zico, Bebeto, Andrade, Leonardo, Jorginho, Zinho. Além do feito no Mineirão, cruzou com precisão na cabeça de Bebeto, para o gol de empate do prodígio baiano, contra o Inter, no primeiro jogo da final.
Por trás da força que impõe uma capa de irracionalidade, Renato foi jogador inovador. Começou como ponta-direita (daí a camisa 7), mas com 1,84m de altura e condição física vigorosa, rapidamente transformou-se em atacante múltiplo, de arrancadas, assistências e gols. Com a versatilidade, não durou no Brasil – no meio de 1988, o Flamengo o negociou com a Roma, pelo equivalente a US$ 2,7 milhões.
A aventura europeia deu fragorosamente errado, a ponto de virar parâmetro de fracasso brasileiro no epicentro do futebol. Em 3 de setembro de 1989, Renato fez sua reestreia com a 7 rubro-negra, em amistoso no brejeiro Eduardo Guinle, estádio de Nova Friburgo (RJ), contra um combinado Friburguense/Cantagalo, que terminou 4 x 0 para o Flamengo.
Cobria o clube nessa época, e Renato se tornou um de meus interlocutores mais frequentes. Foram inúmeras reportagens de mais uma fase de sucesso, que rendeu o primeiro título da Copa do Brasil, em 1990. Antes, em fevereiro daquele ano, ele marcou seu gol mais bonito com o manto sagrado preto-vermelho, na vitória de 2 a 1 sobre o América de Três Rios. Estava na beira do campo, crianças: Renato recebeu perto do bico da pequena área, cobriu um defensor com lençol para trás e emendou de bicicleta. Inesquecível.
Nesse time, ele encontrou sua alma gêmea futebolística – Gaúcho, artilheiro muito competente, de cabeceio mortal. Como se diz hoje em dia, deu match e os dois construíram dupla inseparável, parceiros dentro e fora de campo. A municiá-los, jovens talentos (Marquinhos, Marcelinho, Nélio), alguns mais experientes (Zinho, Uidemar, Bobô) e o maestro Júnior, no majestoso outono da carreira.
Para completar, o Flamengo ficava no endereço certo: o Rio de Janeiro dos cartões-postais, bem pertinho da Praia de Ipanema. Ali, Renato Gaúcho encontrou seu pouso do coração – tanto que nunca mais foi embora. Nos insensatos anos 1990, ele ainda fazia sucesso pelos romances tórridos, com musas como Enoli Lara, a apresentadora Karla Cavalcanti (mãe de sua filha, Carol Portaluppi) e, mais do que qualquer outra, Luma de Oliveira. A maior rainha de bateria da história do Carnaval carioca e o craque rubro-negro viraram o casal-fetiche do Brasil naquele início de década.
Todos os romances aconteceram com Renato alegadamente noivo de Maristela, sua mulher até hoje. Aqui, moram mazelas que se espalham pela trajetória do jogador: machismo e misoginia. Ele sempre objetificou as mulheres, reduzindo-as a meras coadjuvantes de suas façanhas sexuais, hoje um imenso constrangimento como narrativa.
Em 1991, Renato Gaúcho trocou o Flamengo pelo Botafogo, onde viveu episódio explosivo no ano seguinte: os rivais cariocas fizeram a final do Campeonato Brasileiro e, no dia seguinte, ao primeiro jogo (3 x 0, chocolate em preto-vermelho), ele foi a um churrasco na casa do eterno parceiro Gaúcho. Deu ruim com os alvinegros, que o mandaram embora sumariamente.
Renato voltou ao Flamengo outras duas vezes, em 1993 e 1997, já na fase cadente da carreira profícua. Como treinador, consolidou a ligação com o Fluminense e, mais ainda, com o Grêmio, onde virou estátua. Agora, reencontra o clube de maior identificação ao longo de sua trajetória.
E, como sempre, com a marra-emblemática, assinatura pitoresca do craque-galã, que hoje a internet batizaria de RG7 (não confundir com CR7).