Aydano André Motta: ‘É crise! Cinco momentos em que torcer e sofrer viraram sinônimos’

'Nesse momento próprio à reflexão, uma viagem às profundezas do martírio futebolístico, em derrotas inesquecíveis. Porque é aquilo, crianças: quem bate pode até esquecer; quem apanha, lembra para sempre', diz o colunista

Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

Estressado com a crise do Flamengo? Sabe de nada, inocente. A centenária trajetória preto-vermelha oferece solavancos variados, tropeços de todos os tipos, cores e tamanhos, eliminações surrealistas, reveses bizarros. Nesse momento próprio à reflexão, uma viagem às profundezas do martírio futebolístico, em derrotas inesquecíveis. Porque é aquilo, crianças: quem bate pode até esquecer; quem apanha, lembra para sempre. Então, vamos a um passeio por jornadas semelhantes à desta quarta-feira infame. Partiu?

Flamengo 2 x 3 São Cristóvão (29.3.1975). Campeão estadual num tempo em que valia muito, o rubro-negro tinha missão aparentemente simples, diante do brioso clube do bairro imperial. Pela sexta rodada da Taça Guanabara, sob os olhos de 21.619 espectadores, o time do lateral-direito Júnior (é isso mesmo que você leu), de Zico e Doval entrou em campo superfavorito, mas topou com o meio-campo adversário, formado por Badu, Madeira e Ivo Sodré, em noite inspirada. E olha que abriu vantagem no primeiro tempo, gols de Zico, aos 3 e 37 minutos e levou um aparentemente desimportante, do bom atacante Sena, aos 44. A metade final foi aquela draga – aos 36, Fio Maravilha (o ex-ídolo preto-vermelho, pela primeira vez como adversário) lançou Sena, que empatou. E aos 42, Santos, entrando livre pelo meio da defesa, decretou a vitória.

Flamengo 2 x 6 Bangu (7.9.1983). Foi cruel, muito cruel, o início da vida sem Zico, vendido à Udinese, da Itália, logo após a conquista do tri brasileiro. No feriado da Independência, o Flamengo enfrentou o Bangu pela Taça Guanabara e saiu do Maracanã com um saco de gols. Os 5.009 malucos que foram ao estádio na noite fria e chuvosa da quinta-feira assistiram a uma exibição magistral de Arthurzinho, craque do time da Zona Oeste carioca, formado pelo banqueiro do bicho Castor de Andrade. (O contraventor, eufórico com a vitória, pagou bicho dobrado.) O atacante baixinho marcou quatro gols, um deles de cobertura, esculacho total. Mesmo sem seu deus, os rubro-negros não eram nem de longe uma mulambada: Júnior, Leandro, Andrade, Adílio, Vitor, Mozer estavam na humilhação.

Flamengo 1 x 4 Paraná (13.10.1996). Bebeto, Mancuso, Athirson, Ronaldão e Marques eram os destaques do time dirigido por Joel Santana, que mais uma vez decepcionava no Brasileiro. No domingo 13 de outubro, 5.110 torcedores testemunharam a goleada do Paraná – 4 x 1 molezinha, fora o baile. A passagem do jogo à História se deve à estratégia do professor que, no segundo tempo, mandou Júnior Baiano jogar de centroavante. Como Gustavo Henrique outro dia.

Flamengo 2 x 3 Portuguesa (13.9.1998). Tradicionalmente, quando o time vai mal, os dirigentes convocam a torcida para dar uma força. Em 1998, o time de Romário cumpria campanha constrangedora no Brasileiro e o presidente Kleber Leite anunciou promoção criativa para a decisiva partida contra a Portuguesa (SP), no Maracanã: baixou o preço da arquibancada de R$ 10 para R$ 3 e prometeu devolver o dinheiro do ingresso em caso de derrota. A Nação fez sua parte – 52.340 pessoas foram ao estádio –, mas assistiu a um fiasco. Evair fez 1 a 0, Romário e Marcos Assunção viraram, e Alexandre marcou duas vezes, decretando a vitória da brejeira Lusinha. No dia seguinte, uma fila de torcedores se formou no Maracanã, para pegar o dinheiro de volta, em operação que deu prejuízo ao clube, obrigado ainda a pagar R$ 63 mil à Portuguesa e as despesas pelo uso do estádio.

Flamengo 0 x 2 Santo André (30.6.2004). Momento muito histórico. A final da Copa do Brasil, contra o pitoresco Santo André, parecia mera formalidade no caminho de mais um título. No primeiro jogo, o time de Júlio César, Athirson, Jônatas, Ibson e Felipe empatou em 2 a 2 no Parque Antarctica. A volta seria no Maracanã lotado, podendo empatar por 0 x 0 ou 1 x 1 – mas os paulistas fizeram 2 x 0 na impotente equipe dirigida por Abel Braga. Sandro Gaúcho e Elvis garantiram a festa dos visitantes, diante de calados 71.988 torcedores.

Flamengo 0 x 3 América do México (7.5.2008). A festa estava pronta. O time acabara de ser bicampeão estadual (seria tri no ano seguinte) e, na semana anterior, vencera o América do México, fora de casa, por 4 x 2, com atuação memorável. A volta serviria para a despedida de Joel Santana, que assumiria a seleção da África do Sul, sede da Copa do Mundo de 2010. A entrada em campo teve entrega de faixas e muita alegria para os quase 51 mil viventes na plateira. Tudo muito bom, tudo muito bem – faltou combinar com os visitantes. Liderados pelo rechonchudo mas talentoso Cabañas, eles construíram o placar necessário à eliminação preto-vermelha. Vexame continental.

Tudo isso para dizer, queridos, que a vida é assim mesmo. Tem vitória, alegria, taças, conquistas – mas muita derrota também.