Arthur Muhlenberg: ‘O Flamengo na rua, no meio do redemoinho’

'Flamengo é do tamanho do mundo. O Flamengo é sem lugar. O Flamengo não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o Flamengo, ou o Flamengo maldito vos governa'

Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

― Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja.
Soltei foguete quando o Flamengo fez o primeiro gol, de pênalti, com o Gabriel.
Era morteiro, Caramuru, três tiros. Por meu acerto. Todo gol isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.

Daí, vieram me chamar. Causa dum juiz! um branco careca, erroso, os olhos de nem ser ― se viu ―; e com marra de cão. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como agiu, indo arrebitado de beiços conferir o monitor, esse voltava rindo pra confirmar o castigo. Disseram que era o maior erro da história do campeonato.

Povo prascóvio. Condenaram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar mais morteiro, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas… Olhe! quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente ― depois, então, se vai ver se deu mortos.

O senhor tolere, isto é o Flamengo. Uns querem que não seja! que situado Flamengo é por depois da Glória e do Catete a fora adentro, eles dizem, antes de Botafogo, pra lá do Russel. Para os de Itinga, então, o aqui não é dito Flamengo? Ah, que tem maior! Lugar Flamengo se divulga: é onde os todo mundo é preto, favelado e mulambo; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com torcedor de outra camisa; e onde o fanático vive seu jorge-jesus, arredado do arrocho de autoridade ou juízo.

Flamengo se espalha, da boca do rio Rainha, na Lagoa da chamada Gávea, até o rio Morto na Vargem Grande, lá onde o urubu põe ovo nos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá ― pra cevar os cria de bom render. O Rio corre em volta. Esses Flamengos são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães. . . O Flamengo está em toda a parte.

Do Enea? Não gloso. Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfalam
no nome dele ― dizem só: o Que-Diga. Vote! não. . . Quem muito se evita, se convive. Chegando mais perto a gente escuta um chorinho, atrás, e uma vozinha que avisando: ― Deixou chegar! Deixou chegar!. . .

Eu que não vou sair da festa antes que de ser tocado porteira afora. Mesmo porque porteira aqui não tem fecho. E nem é porque o sofrimento tem sido grande que vou descreditar. Fácil nunca foi, sem falar naquela vez que hoje parece ter sido há tanto tempo. Então? Que-Diga? Doideira. A fantasiação.

E o que era que eu queria? Ah, acho que não queria mesmo nada, de tanto que eu queria era – ficar sendo. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. Mas na hora de fechar os acertos, tirar as despesas é que vai saber. Tem gente aí se empresando em vias de ser rico. Mas a galinha come com o bico no chão e o casadinho só dorme junto. Antes do fim, na sugestão, ninguém ganha é nada. Viver o senhor já sabe: Viver é etecetera.

Viver é muito perigoso. O Flamengo é do tamanho do mundo. O Flamengo é sem lugar. O Flamengo não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o Flamengo, ou o Flamengo maldito vos governa… Ele que me produz, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca. Aquela hora, só não me desconheci, porque bebi de mim – esses mares.

Arres, me deixe lá, que ― em ilusão ou com encosto ― o senhor mesmo deverá de ter conhecido diversos, homens, mulheres. Pois não sim? Por mim, tantos vi, que aprendi. Leônidas, Zizinho, Dida, o Zico, Junior, o Pet, Obina. . . o Imperador e o Malvadeza. . . Deles, punhadão. Se eu pudesse esquecer tantos nomes. . .

Eu quase que de nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. Melhor magro e vivo que gordo e não. Flamengo é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo. Flamengo é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! Nós ainda.