Arthur Muhlenberg: ‘Flamengo é a Salvação do Patriotismo’

Ações mais corriqueiras na vida de um torcedor do Flamengo, como tomar uma cerveja com perfeitos desconhecidos e cantar o hino do clube no meio da rua aos brados pelo simples fato de esbarrar com alguém com a mesma camisa, ganham um significado maior quando estamos longe do Brasil

Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Quando começaram a surgir na imprensa e nas redes sociais as imagens das hordas de mulambos bem vestidos ocupando pacificamente a pitoresca Montevideo brotou na hora no peito de cada rubro-negro um sentimento, uma emoção, que geralmente nem é muito bem vista pela insinceridade com que ela é praticada na maior parte do mundo: o patriotismo.

O rubro-negro médio é um crítico das patriotadas, tão vulgarizadas ultimamente, mas não consegue conter a emoção ao encontrar seus semelhantes em terras estranhas. As ações mais corriqueiras na vida de um torcedor do Flamengo, como tomar uma cerveja com perfeitos desconhecidos e cantar o hino do clube no meio da rua aos brados pelo simples fato de esbarrar com alguém com a mesma camisa, ganham um significado maior quando estamos longe do Brasil.

O Manto, o hino e a amizade desde criança entre rubro-negros que nunca se viram na vida se tornam símbolos de pertencimento, provas de que não estamos sós, a confirmação definitiva de que somos todos menos alguns. Para a maior parte dos que fecham com o certo, o amor ao Flamengo aumenta à medida em que nos afastamos de nossas casas.

Noves fora o seu mau uso para fins antidemocráticos, o patriotismo é definido como o sentimento de orgulho, amor, devolução e devoção à pátria, aos seus símbolos e ao seu povo. A razão do amor dos que querem servir o seu país e ser solidários com os seus compatriotas. Ora, basta substituir país por Flamengo e pais por Nação e descobriremos que somos todos patriotas. Tudo bem, somos patriotas, mas não precisa explanar.

A torcida rubro-negra, grande difusora do conhecimento, agora soma às suas muitas habilidades um traquejo internacional que lhe faltava. Tigrão no Brasil, a Magnética costumava ser sub-representada nas competições internacionais as quais o Flamengo frequentava bissextamente. Não chegava nem a ser uma tchutchuca porque faltava gente pra isso.

Mas isso era antes, naqueles 30 anos em que o Flamengo lutou para superar a partida de Zico. Essa partida nunca será superada, mas agora é tudo muito diferente, o Flamengo é uma equipe acostumada a disputar a principal competição do continente e a torcida se acostumou junto. Nas ruas da simpática e pequetitita Montevideo é virtualmente impossível não esbarrar em algum molambo bem vestido, exibindo orgulhoso o seu Manto Sagrado e apregoando a sua certeza no TRI.

Estes dias que antecedem a grande final com o Palmeiras são o ponto alto do calendário rubro-negro. A euforia de quem chegou até Montevideo é impossível conter. Claro que rola um deslumbramento, que é muito natural, afinal o Flamengo só está em sua terceira final de Libertadores, ninguém precisa fingir que está acostumado. Pode se deslumbrar na boa. Estar ao lado do Flamengo numa final de Libertadores é uma mistura de Disneylândia, Carnaval no Rio e viagem de foguete. Só que muito mais legal.

Desde o grandioso Aerofla que levou os jogadores no colo até os seus lugares no avião que a comunhão entre o time e a torcida está mais forte do que nunca. Jogadores e torcedores compartilham um conhecimento: chegar até aqui é foda. A consciência de que estar nessa final é a consequência de um trabalho feito em conjunto dentro e fora do gramado faz de cada rubro-negro um jogador e de cada jogador um alucinado torcendo lá dentro do campo.

Não resta a menor dúvida que a vontade que o torcedor tem de levantar essa taça não é menor do que a de qualquer jogador. Por isso a partida contra o Grêmio, a última pelo Brasileiro antes da grande final, ganhou contornos dramáticos e produziu uma linda polêmica protagonizada por Renato Gaúcho só pra tumultuar as nossas últimas horas de paz antes que a bola role no espetacular gramado do Estádio Centenário.

Foi esquisito, mas não foi o fim do mundo em que alguns dos nossos, com os nervos aflorados pelo momento solene, quiseram nos fazer crer. Esses atritos entre a paixão pelo clube e a ética profissional são comuns sempre que amor e dinheiro estão no rolo, mas como tudo no Flamengo alcança dimensões ciclópicas, o caso ficou parecendo muito maior do que realmente é.

Mas vejam, isso foi em Porto Alegre e o que acontece em Porto Alegre fica em Porto Alegre. Agora é Montevideo e nós viemos aqui pra ganhar o jogo mais importante do ano. Qualquer tema fora do âmbito da Libertadores não é urgente e pode esperar. Esse rolo do Renight a gente conversa em casa, quando voltarmos com a taça.

Montevideo é a Disney dos mulambos, um festival de rubro-negrismo raro, que só grandes eventos permitem. Torcedores do mundo inteiro estão reunidos na capital uruguaia vivendo com a maior intensidade possível os momentos que antecedem a glória eterna. É longe do Maracanã e da opressora presença da torcida rubro-negra carioca que se pode observar com maior clareza o fenômeno Flamengo.

Essas pessoas, cada uma do seu jeito, saíram do conforto dos seus lares e como peregrinos foram encontrar os seus semelhantes e dividir a imensa responsabilidade de apoiar a rapaziada e ganhar mais uma Libertadores na força do gogó. Não é pouca coisa esse poder de mobilizar as gentes dos mais distantes pontos do globo que o Flamengo imodestamente exibe.

Lima já tinha mostrado que o fenômeno Flamengo é do mundo e a festa na Candelária no dia seguinte à conquista do BI da Libertadores mostrou ao mundo que tal fenômeno só poderia existir no Brasil. Essa capacidade de fazer a festa seja lá onde for é a maior qualidade da torcida do Flamengo.

Pra imensa maioria que fica no Brasil as horas custam muito a passar, os dias se arrastam, mas no peito de cada um existe uma certeza inabalável: o sábado virá. E quando a bola rolar todos os flamenguistas do mundo, na mesma vibe, com a mesma roupa e os mesmos desejos, vai finalmente estar junta. E nessa hora ninguém vai achar ruim se for chamado de patriota.