Já era de conhecimento do público desde a semana passada, apesar de alguns seletos gato-mestres terem antecipado o fato ao fim do jogo de ida das oitavas contra o Defensa y Justicia, que o Flamengo está, pela quarta vez desde 1981, na semifinal da Libertadores.
O jogo em Brasília com o Olimpia foi só pra cumprir tabela e dar uma satisfação aos torcedores que, timidamente, voltam a ocupar os estádios. Quem foi ao jogo cumpriu os protocolos, não se muvucou nas arquibancadas e se deu bem. A vaga já tava resolvida no jogo de ida no Estádio Manuel Ferreira e no Mané Garrincha foi só lazer. O único trabalho foi o de comemorar mais cinco gols.
Me desculpem o eufemismo, mas o resultado agregado do duelo – um avantajado e veiúdo 9 x 2 – não deixa dúvidas de que o Flamengo vai longe na competição. Ainda bem que o torcedor do Flamengo já está acostumado a ser caluniado (a sua peculiar humildade é sempre confundida com soberba ou autossuficiência!), porque o seu compromisso com análise racional do cenário o obriga a dizer que o Flamengo não está na semifinal. O Flamengo está é na final.
A distância entre a Gávea e o Estádio Centenário, em Montevideo, que até ontem era de mais ou menos 2400 km, foi reduzida a somente dois jogos. E seja com o Fluminense ou o com o Barcelona de Guayaquil, que é o adversário mais provável na semi, nenhum dos dois simpáticos times que poderemos enfrentar tem condições de ser um obstáculo para as altas pretensões rubro-negras. Mais uma vez, o Flamengo entrará em campo oprimido pelo peso da obrigação de vencer. Nada que ele não esteja habituado a fazer nos últimos 125 anos.
Quem sabe do que o Flamengo é capaz tá tratando de garantir seu lugar na grande final da Libertadores. A simpática Montevideo, onde Zico levantou a primeira Libertadores do Flamengo, em 1981, vai ficar pequena quando as massas bem vestidas começarem a cruzar a foz do Arroio Chuí.
Na vida, o que vale é o que se aprende. E tanto o Flamengo quanto o seu torcedor não podem ter vergonha em assumir a sua ignorância. Um dos campos do conhecimento em que o Flamengo tem muito o que aprender é em ser favorito da Libertadores. Antes dessa edição da competição continental, o Flamengo só foi considerado favorito em 1982 e se deu mal na semifinal com o Peñarol. Temos pouca experiência e precisamos aprender a sermos favoritos… É algo que não se aprende em sala de aula, só jogando e melhorando a cada temporada.
Em Angústia e Triunfo, a monumental biografia de Beethoven, Jan Swafford, o autor, cita um pensamento do mouco alemão que resume a beleza de aprender: “Nada é suficientemente bom. Então vamos fazer o que é certo, dedicar o melhor de nossos esforços para atingir o inatingível, desenvolver ao máximo os dons que Deus nos concedeu e nunca parar de aprender.” Diz aí: parece ou não parece uma das preleções do Professor Renight? Esse grupo do Flamengo é iluminista, tem sede de saber. E a torcida do Flamengo é igual, sempre querendo se aperfeiçoar e crescer mais e mais. A meta educacional do momento é aprender a ser TRI da Libertadores. Triunfaremos.
Do nosso lado da tabela tá tudo resolvido, o torcedor previdente, que não acredita em improvisações e jeitinhos, já está na correria de passaportes, tickets aéreos, hospedagens, estudando os roteiros culturais e gastronômicos oferecidos pela capital uruguaia. Esse torcedor que não curte deixar as coisas pra última hora só não está fazendo a mesma coisa em relação a Tóquio porque o Flamengo não vai jogar a final da Libertadores sozinho. Algum “seilaquenzinho” vai estar lá também, com o firme propósito de atrasar nossos planos de dominação mundial.
E quem podem ser esses voluntários pro iminente abate? Pode ser o Palmeiras, nosso clientão tradicional, que não nos faz mal algum desde 2017 e joga aquele futebol sem vergonha e entediante que não ganha nem Campeonato Paulista. O perigo potencial do Palmeiras reside em sua mediocridade e falta de graça, que é bem capaz de aborrecer tanto os torcedores quanto os nossos jogadores. Deram sorte de pegar o ingênuo São Paulo e passaram sem maiores esforços pra semi. Ou seja, não estão devidamente preparados, estão dando um passo muito maior que as próprias pernas.
A outra possibilidade é o instável e alavancado Atlético de Minas. Que também deu sorte nas quartas e pegou o River Plate, antigo bicho-papão da Liberta. Os últimos resultados do River na Libertadores confirmam que o Flamengo de 2019 destroçou completamente o psicológico dos “Millonarios”, hoje um time comum que não ofereceu a menor resistência aos mineiros. Não mereciam mesmo ir adiante.
O Atlético, que vem construindo pelos seus próprios méritos uma bela rivalidade com a Receita Federal que tem tudo pra durar anos e anos, chegaria empolgado a uma final. Com as guitarras funcionando sem parar nas Alterosas, parece que dessa vez vão trazer até o Anelka. Os mineiros tão dobrando a aposta na fórmula consagrada pelo Cruzeiro e têm tudo pra repetir o mesmo desempenho.
Se o Flamengo, por acaso, fizer a final contra eles vai ser uma bela alegoria econômica. Como se os defuntos ilustres de Maynard Keynes e Milton Friedman se levantassem de suas covas ao som de “Eye of The Tiger” pra resolver na mão se as meras forças espirituais de um mercado desregulamentado são ou não são suficientes para uma retomada econômica consistente e autossustentável.
Como o Flamengo é o protótipo do malandro fodão que sofreu calado a pindaíba, fez tudo certinho e desde 2013 não atrasa o pagamento de salários, taxas, impostos e tributos, vai ter um gostinho todo especial dar uma pisa nuns caras que de uma hora pra outra, cheios de pinduras na praça, começam a gastar um dinheiro que geral sabe que eles não têm. Doping econômico é doping também e se couber ao Flamengo o papel de paladino da responsabilidade fiscal, melhor ainda.
Repito, estamos a dois jogos da final, agora é na ponta do dedo, Flamengo. Vamos devagar, porque temos muita pressa pra ser TRI. A Glória Eterna tá logo ali.