Arthur Muhlenberg: ‘Com sorte ou não, ganhar do Atlético é obrigação’

'Atlético cultiva com o Flamengo uma rivalidade platônica, que provavelmente jamais alcançará o plano físico', diz o colunista

Com sorte ou não, ganhar do Atlético é obrigação
Jogadores do Flamengo em pé (da esquerda para a direita: Toninho, Manguito, o goleiro Raul, Marinho, Júnior e Paulo César Carpegiani - Agachados: Tita, Andrade, Nunes, Zico e Júlio César, antes da partida contra o Atlético-MG, válida pela final do Campeonato Brasileiro 1980. Foto: Otávio Magalhães/Agência O Globo/Gazeta Press

Sorte ou Não

Tem torcedor que acha graça quando os atleticanos dizem na cara de pau que o Flamengo é rival do Atlético. As risadinhas abafadas que se seguem à herética declaração são uma imperdoável falta de sensibilidade que depõem contra a proverbial inteligência rubro-negra. É evidente que tal afirmação é uma hipérbole, uma figura de linguagem que consiste na ênfase resultante do exagero deliberado para expressar algo de maneira intensificada.

Quintiliano, que era o pica da retórica romana no primeiro século da era cristã, definia a hipérbole como um exagero elegante da verdade. Mas Quintiliano, além de escrever o ainda hoje útil Institutio Oratoria, era advogado em Roma. Ora, desde aqueles tempos pré VAR que as massas urbanas e rurais concordam que grandes merdas ser adevogado. O rubro-negro que ouve uma barbaridade dessas tem que achar graça mesmo. Nos siga no Twitter

O Atlético cultiva com o Flamengo uma rivalidade platônica, que provavelmente jamais alcançará o plano físico. Pra começar, nem é todo ano que eles jogam a Primeira Divisão. O que acontece, na verdade, é que o simpático alvinegro de Vespasiano, e nisso nem ao menos original o Atlético está sendo, quer ser o Flamengo quando crescer. Um sonho maluco compartilhado com muitos clubes do Brasil e do mundo, mas que não deixa de ser um sonho maluco.

O Flamengo se tornou a nêmesis do Atlético porque além de ser bonito, bem-vestido e morar perto da praia que não é Marataízes e nem Guarapari, o Flamengo cultiva já há uns bons anos o incriticável hábito de aplicar grandiosas e educativas sapatadas nos atleticanos. Mas eles podem tomar até 300 gols da gente, o que dói mesmo nos caras é a parada da praia… Os mineiros têm fissura pelo mar e o orgulho com que exibimos as nossas origens náuticas só aumenta o recalque da mineirada.

O negócio já começa a ficar ruim pra eles quando o tema é tamanho de torcida. O mero fato do Flamengo ser a maior torcida de Minas Gerais é um punhal eternamente cravado nos peitos galinhófilos. Os caras querem morrer, mas não podem admitir de jeito nenhum a dura realidade demográfica.

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Mas a lista de motivos pros atleticanos serem tão bolados com o Mais Querido do Brasil é extensa e cabeluda. O Atlético ficou conhecido no Brasil quando foi nosso primeiro vice brasileiro, em 1980, menos de um ano depois de ter sido esculachado levando um cincuum histórico no Maracanã lotado com Pelé, com Supremo, com tudo.

Aí veio aquele jogo histórico no Serra Dourada pela Libertadores 81 onde os mineiros protagonizaram aquele cai-cai vergonhoso e nasceu a lenda dos milagres de São José Roberto Wright, cujo processo de canonização segue os lentos trâmites da Cúria Romana. Desde então, o Flamengo virou o Bombril dos atleticanos, com mil e uma utilidades. Entre elas uma mais geral: ser o culpado de todos os fracassos que o Atlético empilha desde que se tornou o Campeão do Gelo.

Como se tivesse sido o Flamengo que cimentou o time do Atlético à fila imensa do Campeonato Brasileiro, onde os pobres permanecem fixos há exatos 50 anos. É muita perseguição com o Flamengo. Até quando os caras chegam em terceiro no seu campeonato rural de par-ou-ímpar, primitiva competição agrária da qual o Flamengo jamais participou, querem por a culpa nos rubro-negros. Infâmia delirante ao qual o injustiçado Flamengo só pode responder vulgarmente: tem culpa eu?

Zoar esses caras é muito bom, mas não paga o meu aluguel. Vamos falar sério. Hoje o Flamengo encara mais uma vez a mineirada lá nas Alterosas. Pros caras é o jogo da vida deles, ainda mais depois que ficaram sabendo que está rolando uma certa desamizade entre elenco, diretoria e comissão técnica no Flamengo. O que é uma burrice tremenda da parte deles, já que é justamente o perrengue a grande mola propulsora dos times do Flamengo ao longo da história.

Mas os mineiros não estarão sendo burros se entenderem que a partida pode ser decisiva pro futuro de Rogério Ceni no comando do elenco mais fuderoso da América do Sul. O bagulho tá esquisito mesmo pro Nareba e nada como uma vitória fora de casa contra um pequeno abusado, pra manter a cabeça do treinador firmemente colada ao corpo.

Tenho certeza absoluta de que o Rogério quer demais ganhar esse jogo. Na verdade, ele precisa ganhar. Se ele for capaz de convencer dois ou três dos nossos jogadores a aderirem à ideia, as chances do Flamengo provocar choro, remorso e desilusão em Minas Gerais aumentam significativamente.

Pode-se criticar a ausência de várias qualidades em Rogério Ceni, menos a da falta de sorte. É um dos caras mais largos da história do futebol brasileiro e a conquista do Campeonato Brasileiro de 2021, perdendo jogo à beça com a mão no bolso, é a prova maior disso.

Ceni é tão largo que quando tá todo mundo querendo ver a sua caveira ele recebe o reforço do decisivo fora de série Giorgian De Arrascaeta, um dos caras mais letais do futebol mundial e que já alterou completamente o movimento de apostas no jogo. Agora é aquele negócio: sorte até ganha jogo, mas não ganha campeonato. E nem segura emprego. Com sorte ou não, ganhar do Atlético é obrigação.