Arthur Muhlenberg: ‘Chegou a hora do Flamengo começar a lutar a guerra psicológica’

'Flamengo, quando embalado pelos ventos certos, bagunça legal com qualquer teoria do campo das ciências exatas. Quando o campeonato faz a curva para encarar a sua milha final os aspectos psicológico, místico e espiritual se tornam decisivos', disse o colunista

Finalmente, o Campeonato Brasileiro, que na maioria absoluta de suas rodadas é café com leite, começa a oferecer alguma emoção. As rodadas finais se aproximam, a água começa a subir, a lâmina da guilhotina começa a ser amolada e o desespero, sentimento inicialmente reservado apenas aos eventuais frequentadores da pestilenta Z4 começa a ser compartilhado igualitariamente por todas as torcidas.

Ao fim da 26ª rodada, livres mesmo do rebaixamento só está quem já alcançou os cabalísticos 45 pontos, atualmente só o Flamengo e o líder provisório cumpriram essa etapa, o resto reza e seca os amiguinhos. Cada um dos secadores tem seus objetivos, alguns só querem manter o que lhes resta de honra se segurando na Série A, muitos outros nutrem ambições de participar das competições continentais em 22.

E olha que nem estão sob efeito de entorpecentes por pensar assim. A Libertadores e a Sula do ano vindouro correm o enorme risco de virar la fiesta del caqui, com 238 clubes brasileiros perturbando a paz hispanoparlante. Metade dos clubes do Brasileiro jogando a Liberta é uma aberração louca, mas exemplifica bem o estado da maionese conhecida mundialmente como futebol sul-americano. Geral sabe que no Brasil tá todo mundo na merda, pero los vecinos están aún peor.

Enquanto tem 18 clubes disputando o Brasileiro visando unicamente a permanência na Série A ou a passagem para as tais copas, quem tá jogando pra ser campeão só mesmo o Flamengo e o Atletiquim. O resto da galera já ficou pra trás e o máximo de êxito que podem alcançar é aguar os chopes uns dos outros. Por mim eles podem até se afogar uns aos outros em piscinas de chope, não é tema do meu interesse.

Diz a matemática que o título mesmo vai pra Gávea, ou não. A matemática pode até ser a rainha das ciências, mas no futebol volta e meia ela paga uns micos. Ainda que arrepie todos os pelinhos do braço dos fãs do Marquês de Laplace, a teoria das probabilidades tem se mostrado extremamente imprecisa quando aplicada aos prognósticos envolvendo o prodigioso clube dos pretos, pobres e descamisados outrora lindeiro à saudosa Praia do Pinto. O Flamengo, quando embalado pelos ventos certos, bagunça legal com qualquer teoria do campo das ciências exatas.

Na presente situação o Flamengo está a 11 pontos do líder provisório. Mas com dois jogos a menos, que teoricamente podem reduzir essa diferença a cinco pontos e ainda com um confronto direto, se tudo dá certinho a diferença se encaminha para ser de apenas dois pontos.

Ora, dois pontos nesse campeonato maluco é um fio de cabelo, um nadinha. Ao longo de sua história o Flamengo já comeu toucinho com mais cabelo em inúmeras oportunidades. Mas como disse antes, a matemática não serve para explicar a situação do campeonato em todas as suas nuances.

Além dos números, além do campo, além da bola, existem outras forças atuando sobre as equipes que vão muito além dos compêndios científicos. Quando o campeonato faz a curva para encarar a sua milha final os aspectos psicológico, místico e espiritual se tornam decisivos.

É a hora em que os times, — aqui usado como metonímia para jogadores, comissão técnica, dirigentes, corneteiros, torcedores — dependem totalmente da boa saúde mental. Se o time tá ruim da cabeça fatalmente estará doente do pé.

No quesito saúde metal o Flamengo dificilmente encontrará rivais à sua altura no futebol brasileiro. É o time que mais Campeonatos Brasileiros ganhou, o que mais comemorou títulos nos últimos três anos. É o clube onde os salários estão em dia há oito anos ininterruptos, os jogadores estão valorizados, o ambiente de trabalho é agradável e o uniforme é o mais bonito.

Como prova maior da fortitude psicológica rubro-negra, desde que Renato chegou, há pouco mais de três meses, o Flamengo também se tornou a Clínica Betty Ford do futebol nacional, mudando a vida das pessoas e recuperando jogadores e sonhos que muitos davam por desenganados.

Além dessa vantagem competitiva, o Flamengo também tem uma vantagem comparativa que deve ser destacada: o Octacampeão do Brasil está mais do que acostumado a se meter em disputas na reta final do Brasileiro e se dar bem. Essa é, definitivamente, a sua praia.

Já o nosso adversário na corrida pelo Brasileiro não pode se dar ao desfrute de ficar calmo diante do desafio. O que é perfeitamente natural, a torcida do Flamengo lembra muito bem dos nervos em pandarecos do time (aquela metonímia outra vez) quando ficamos dez intermináveis anos na fila do Brasileiro entre o Hexa e o Hepta.

Agora imaginem aquele estado mental, aquela síndrome de abstinência aguda por falta de títulos multiplicada por cinco. Imaginou? Atualmente é mais ou menos esse o estado psicológico do atleticano médio. À beira de um ataque de nervos. Deve ser uma barra bem pesada.

Enquanto o Flamengo avança rumo ao Enea incólume às cascas de banana deixadas em nosso caminho por CBF, FIFA et caterva, fazendo sua parte no sapatinho, ganhando de todo mundo, não perdendo de ninguém e tirando o sono da arco-íris em todo o Brasil, o Atlético começou a perder a linha.

Na rodada de quarta-feira o Flamengo jogou 45 minutos muito bons pra enquadrar o Juventude, com direito a gol de falta e gol de Kenedy, eventos que tinha muita gente convicta que jamais voltariam a acontecer, enfim, foi só lazer e exaltação aos humilhados no Maracanã. No Mineirão, o Atlético exercitava as suas habilidades sociais chutando a porta da cabine do VAR e intimidado a arbitragem até conseguir ver marcados os pênaltis a que julgava ter direito e que foram essenciais para não perder ponto pro 16º colocado no campeonato.

Não vamos nem falar sobre a ilegalidade desse comportamento, só devemos considerar o bem enorme que esta atitude inteligente e polida do Rodrigo Caetano deve ter feito pra autoestima mineira. Está mais do que evidente que nosso adversário começou a operar no modo descontrole emocional.

Chegou a hora do Flamengo começar a lutar a guerra psicológica. Isto é, o uso planejado de propaganda ou outras ações psicológicas com o objetivo primário de influenciar as opiniões, emoções, atitudes e comportamento de grupos estrangeiros hostis, de forma a alcançar os objetivos da Nação. Se a armadura deles é fraca, o dever do torcedor é penetrar pelas fendas e plantar as sementes da dúvida, do medo e da incerteza.

Uma boa dica de investimento pro torcedor rubro-negro é aproveitar o boom do mercado imobiliário mineiro e alugar coberturas, flats, lofts e kitinetes na cabeça do atleticano. Como já tem muita gente alugando (na cabeça do Cuca não há mais unidades disponíveis) talvez seja até melhor negócio comprar, afinal o preço é barato, o prazo é longo, no mínimo cinquenta anos, e os corretores estão sempre no local.

Dentro de campo o Flamengo dá seu jeito, do lado de fora a bola está com o torcedor. Quem ganha Campeonato Brasileiro é quem se garante mais.